terça-feira, 30 de novembro de 2010

Em resposta a Dom Lázaro





"O Estado já considera legalmente caso de saúde a situação dos usuários de entorpecentes. No entanto, ninguém se pronunciou, até agora, sobre o que será feito com a crise de abstinência dos consumidores atingidos pela operação policial/militar no Rio. Ou a opção é deixar que os "doentes" se virem, como punição por seus vícios intoleráveis?"

A dependência química é uma doença(CID-10 de F10 a F19).Isto não é uma conquista é um diagnóstico, uma constatação obtida após pesquisas científicas e observações médicas. Doença sindrômica, como igualmente sindrômica é a problemática das drogas. Diante do inevitável debate provocado pela retomada da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, buscarei pontuar elementos da referida síndrome, que possam conduzir à reflexão sobre as ações possíveis e necessárias junto a um dos principais sujeitos envolvidos na intrincada teia do narcotráfico: o adicto.

Uma premissa básica nessa discussão é diferenciar quem é vítima de quem é algoz. De acordo com o Art. 3º, Inciso XI, do Decreto 3.696, de 21 de dezembro de 2000, cabe ao Departamento de Polícia Federal exercer as funções de órgão executivo das atividades de repressão ao uso indevido, do tráfico ilícito, e da produção não autorizada de substâncias entorpecentes e drogas que causem dependência física ou psíquica. Do ponto de vista da legalidade, o usuário de drogas, situa-se apenas em um dos três focos de enfrentamento, o do consumo indevido.

A ação espetacular das forças públicas direcionou-se à esfera do tráfico. A repercussão do episódio indica ter sido esta um sucesso. Não esperemos, entretanto, ter sido esse o fim do narcotráfico, o que de nenhuma forma invalida a política de implementação das UPP's, ao contrário, fica lançada a pedra fundamental para construção da cidadania dos moradores dessas comunidades, do resgate da credibilidade do poder público no tocante à política de segurança e da inauguração da oferta efetiva de serviços sociais aos cidadãos de baixa-renda, residentes exclusivos desses, antes, nichos de criminalidade. O enfrentamento ao narcotráfico é uma constante em países ricos como os Estados Unidos, o maior mercado consumidor do planeta. A pouquíssima incidência de moradias precárias como as nossas favelas, não faz deles um exemplo de redução de oferta; e retira dos nossos morros e paços, a peja de serem redutos de viciados. A presença do banditismo ocupa a vaga deixada pelo estado, pois enquanto se faz de conta que tem educação, saúde, cultura e saneamento básico, o traficante é de verdade e faz as contas e da conta de tudo e de todos. O estado faz de conta que presta esses serviços que são fundamentais, porque parte da sociedade faz de conta que se preocupa com o país em sua íntegra, mas esquecem-se que para haver cidadania plena é necessária a distribuição de renda, o investimento em infra-estrutura, a aceleração do crescimento, a geração de emprego e a assistência às famílias e aos jovens.

Ao contrário do que pretendem alguns, a maior parte da cocaína comercializada no Brasil, costuma ser inalada por narizes afilados, brancos e empinados, os verdadeiros financiadores dos mercadores do mal. É verdade que a adicção mata, indiscriminadamente, no beco ou nas coberturas, deixando o rastro de sofrimento por onde passa, mas o cidadão que tem a infelicidade de ter a dependência química como componente de sua realidade familiar, sabe que a miséria do doente é uma questão de tempo, de pouco tempo. Quem pode e gasta os tubos com droga, é poupado do preconceito, da maledicência e da chacota e esta é a diferença entre o consumo indevido e a dependência.

A praga avassaladora do crack é considerada pandêmica pelas autoridades médicas, a despeito dos malefícios sociais proporcionados por outras substâncias, é este, o mal do século. A sociedade encontra-se paralisada diante da escalada vertiginosa e alarmante do número de usuários, especialmente no nordeste do Brasil. A ausência de políticas públicas, o preconceito e a ignorância a respeito da delicadeza deste enorme problema são, entre outras, causas de perdas irreparáveis entre milhões de famílias. O vulgo “noiado” é a expressão contemporânea do endemoninhado dos gerasenos, fere-se com pedras no mais completo isolamento social, acometido de uma insanidade infernal e sob a conivência cruel da comunidade. Apenas a ação direta do Nosso Senhor Jesus Cristo é capaz de libertá-lo da Legião de demônios que o atormenta, são diversos os seus males, além das psicoses, neuroses e paranóias, o dependente químico de crack, ou adicto, é vítima do descaso, da violência policial, da indiferença farisaica dos que pensam estarem imunes ao seu contágio, da ganância das clínicas particulares que exploram as famílias, da frieza sanguinária dos traficantes, da prostituição, do furto, da mendicância e de outras centenas de mazelas que o imobiliza confundindo-o com o seu algoz. A dimensão do consumo é matéria de saúde pública e como tal deve ser tratada. A presidente eleita Dilma Roussef dedicou parte do seu primeiro discurso ao tema, e assumiu publicamente o compromisso de combater o crack e as cracolândias onde elas estiverem, o atual governo deixa encaminhada uma política de capacitação que colocará em ação sessenta mil agentes sociais através da SENAD, é pouco, mas é um começo.

Na esfera da produção e na distribuição de larga escala, estão os verdadeiros tubarões. Organizações internacionais como a máfia italiana são os grandes beneficiários dos milhões de dólares gerados por esse comércio demoníaco. Como é de se imaginar, é necessária a ação de muitos colarinhos brancos para que toneladas de cocaína cruzem o planeta por terra, água e ar. Policiais corruptos, militares de fronteira, jornalistas jabás, advogados do crime e toda uma súcia de canalhas fantasiados de cidadãos dão o devido suporte a ilegalidade e beneficiam-se das vultuosas quantidades de dinheiro movimentadas, que não se resumem as mordomias do puxadinho do Pezão. Tem muita gente graúda intocada e entocada. Esses barões recrutarão novos gerentes e abrirão novos pontos, quem sabe na região dos jardins em São Paulo, quem sabe em endereços com vista para o mar. Mas o que importa é que a sociedade e o poder público não mais negociarão com os verdadeiros terroristas, como o fez o governo paulista diante do PCC, e que nunca antes na história desse país houve uma ação tão eficaz no combate ao narcotráfico.