Sou cristão! Disso eu tenho certeza. Tive as minhas crises existenciais de adolescência e juventude(e não foram poucas), questionei a igreja católica onde fui batizado, crismado e comungado, militei no Partido Comunista Brasileiro onde convivi com a doutrina marxista, que muito me acrescentou sem me absorver a fé, interessei-me por doutrinas espíritas, em especial a Kardecista, fui esotérico e new age e após conhecer o inferno, converti-me evangélico pentecostal, aceitando Jesus Cristo como meu Fiel e Único Salvador. Nessa trajetória a teologia da libertação foi, e ainda é, a ponte entre a minha ideologia libertária e a doutrina católica que recebi na catequese.
A opção preferencial pelos pobres praticada por amplos setores católicos na América Latina, é o viés pelo qual reencontro-me com Deus, onde conjugo minha fé em Cristo e minhas necessidades libertárias. A despeito das divergências encontradas entre os teólogos da libertação, na maioria de seus escritos encontramos repetidos os temas fundamentais que constituem uma saída radical da doutrina tradicional e estabelecida das Igrejas Católica e Protestante:
-Uma implacável acusação moral e social contra o capitalismo como sistema injusto e iníquo, como forma de pecado estrutural.
-O uso do instrumento marxista para compreender as causas da pobreza, as contradições do capitalismo e as formas da luta de classes.
-A opção preferencial a favor dos pobres e a solidariedade com sua luta de emancipação social.
-O desenvolvimento de comunidades cristãs de base entre os pobres como a nova forma da Igreja e como alternativa ao modo de vida individualista imposto pelo sistema capitalista.
-A luta contra a idolatria (não o ateísmo) como inimigo principal da religião, isto é, contra os novos ídolos da morte, adorados pelos novos faraós, pelos novos Césares e pelos novos Herodes: O consumismo, a riqueza, o poder, a segurança nacional, o Estado, os exércitos; em poucas palavras, "a civilização cristã ocidental".(clique aqui)
A atual conjuntura eleitoral, equivocada e oportunisticamente, transfere a disputa política para o campo religioso. Derrotada no debate das idéias, a demotucanocracia, afronta a sociedade brasileira num dos seus alicerces: a tolerância religiosa. O sincretismo que está nas nossas raízes, algum ecumenismo, foi violentamente abalado pela hipocrisia irresponsável do Sr. Serra, que traz sobre o nosso povo a sombra do fundamentalismo, do ódio e da cizânia. Subjacente a pseudo-discussão do aborto está a laicidade do estado e o direito a livre manifestação da fé. Tema polêmico, foi introduzido na pauta eleitoral já anacrônico, sabe qualquer alfabetizado político que o legislativo é o fórum privilegiado para a sua discussão e quaisquer modificações neste, exigem dois terços do colegiado, por se tratar de matéria constitucional. O fato é que há aborto no Brasil. Centenas de milhares de mulheres o praticam. Citotec, agulhas de tricot, chás abortivos, clínicas clandestinas do Oiapoque ao Chuí inflam as estatísticas, queiram evangélicos, queiram católicos. O chefe de estado que surgirá desse pleito enfrentará esses números independentemente da sua doutrina, e esse estado, Laico, deverá estar aparelhado para esse enfrentamento. Senhores pastores cuidem das suas ovelhas, não se alimentem das gorduras proporcionadas pelos dízimos, as editoras, os canais de televisão, larguem as noventa e nove que pastam ordeiras e corram atrás da desgarrada, não apedrejem Madalena quando ela desorientada cometer pecado, não a enquadrem numa lei dos homens desamparando-a na hora ruim, cuidem da sua alma e deixem César cuidar do que é de César, preparem o povo de Deus para saber o que lhes convém, pois tudo nos é permitido perante o Nosso Pai que está nos céus. Agora se, em nome de mamon, maquinas projetos iníquos com aquele que testemunha falsamente e profere mentiras, por conta das concessões públicas dos canais de TV, saibais que, sub-repticiamente, semeias a discórdia entre irmãos. Sou pessoalmente contra o aborto, respeito e defendo o direito de pregar contra a sua prática, mas não posso deixar de citar Ecl 6:3 Se o homem gerar cem filhos, e viver muitos anos, de modo que os dias da sua vida sejam muitos, porém se a sua alma não se fartar do bem, e além disso não tiver sepultura, digo que um aborto é melhor do que ele; e Êxo 21:22 Se alguns homens brigarem, e um ferir uma mulher grávida, e for causa de que aborte, não resultando, porém, outro dano, este certamente será multado, conforme o que lhe impuser o marido da mulher, e pagará segundo o arbítrio dos juízes; somente para exemplificar que um certo Sensus Fidelium é aconselhável. A separação irremediável entre estado e religião é salutar à democracia e veja em Mat 4;8 quem pregou ao contrário.